Leio em Nova York (diz ele, para gastar onda) que o supercomputador da empresa Opta Analyst decidiu estragar a brincadeira. Após milhares de simulações, a máquina calculou que tanto Flamengo como o Palmeiras possuem 0,3% de chance de voltar dos EUA com a taça do novo Mundial. É a mesma probabilidade de eu não tomar uma Schlitz ou uma Blatz, logo mais.
Se a supermáquina, espécie de Tristão Garcia com wi-fi, colocou todos os seus chips no PSG, no City ou no Real Madrid, o que fazemos nós aqui? Simples, tratamos apenas de manter viva uma tradição quase centenária.
Os antigos ensinam que, até os anos 1920, o torcedor brasileiro não era lá de viajar junto com o time. Ficavam todos comportados em casa, aguardando os resultados e a volta dos jogadores. Até surgir o Fontainha.
Joaquim Americano Fontainha, tremendo gozador, se destacou numa época em que cada clube tinha seu fanático de estimação – casos do Baiano, do Flamengo, o Polar do Vasco e o Burlamaqui, tricolor.
Terno branco, cravo vermelhíssimo na lapela, por vezes com uma buzina estilo Chacrinha, Fontainha podia chorar abraçado às colunas da sede de Campos Sales quando seu América perdia. Nas vitórias, era capaz de se atirar de terno e tudo em poças de lama, tamanha a euforia.
Certa feita, idos de 1929, seu clube do coração se aprontava para uma partida na Vila Belmiro, contra o temido Santos da época. Fontainha, como de hábito, foi se despedir. E entrou no trem para abraçar os jogadores e soprar suas últimas instruções. O apito soou, o aviso alertou mas Fontainha fez a opção certa, e não desceu.
Com o torcedor talismã por perto, o América goleou por 4 a 1 – três de Telê — e a fama do turista acidental ganhou as ruas do Rio, conforme conta João Antero de Carvalho no livro “Torcedores de ontem e de hoje”. Estava inaugurado um novo estilo de torcer.
Legendas rubro-negras, como Jayme de Carvalho, dona Laura, Claudio Cruz, Moraes, Tijolo, Alvarenga, Vivi Mariano e tantos irmãos flamengos, inclusive a turma do Aerofla, apenas aperfeiçoaram a ideia do Fontainha.
Lembrei de tudo isso ao sair do estádio das Águias da Filadélfia, abraçado aos amigos urubus. Ao avistar mais um herdeiro de Fontainha, um torcedor vestido de asas e peruquinha de anjo, percebi que as torcidas de Flamengo e Espérance estavam felizes.
Não apenas pelo futebol jogado, mas por mostrar aos locais um pouco do nosso esporte, que um poeta já definiu como um “jogo de pelota rico de música e cores”.
Não foi aquela vitória de se atirar em poças d’água, tudo bem, mas seguimos vivos. O samba comeu solto, graças aos amigos da Fla Nova Jersey, e a festa na cidade ganhou até as páginas do jornal “The Philadelphia Inquirer”.
Voltamos para a hospedaria otimistas e, na calçada, pensei ter ouvido, ao longe, a cantoria:
“Ô Supercomputador, pode esperar! A tua hora vai chegar…”
Mas eram só o vento, e os sinos da velha Filadélfia.
*Marcelo Dunlop é o cronista rubro-negro da ‘On Tour’, coluna do GLOBO que mostra a visão dos torcedores brasileiros nos EUA durante a Copa do Mundo de Clubes